Eu nunca tive bicho de estimação.
Não se você não contar aqueles peixes ou pintinhos de feira de animais. Daquelas feiras que se instalam em estacionamento de shoppings, cheia de cercadinhos de grade com tudo quanto é espécie de cachorro, cada um mais fofo que o outro, principalmente os filhotes. Daqueles que dá vontade de você trazer pra casa. Mas não os gatos. Gato é bicho independente, sempre achei que tinham personalidade meio traiçoeira, aqueles olhos dissimulados, um dengo falso no miado meloso. Mas os cães eu amava.
Eu sempre pedia pra minha mãe me levar na feira de animais quando eles anunciavam na televisão. Devo ter ido em umas quatro ou cinco. E era sempre a mesma coisa: eu enchia o saco da mãe pra comprar o bicho. “Claro que não, menina, onde é que vamos botar cachorro morando em apartamento?” era sempre a resposta ao meu pedido. Mas eu conhecia vários que moravam em apartamento. Eu queria um pra mim. Sempre quis.
Meu consolo depois do passeio na feira de animais era o saquinho plástico amarrado na boca, cheio de água e um peixinho lá dentro. A “lembrancinha” do evento, totalmente grátis. Matei todos. Duravam coisa de quatro, cinco dias. Uma semana, talvez. E eu nem tinha aquário. Colocava o peixe dentro de uma jarra de vidro que minha mãe usava para servir suco na mesa. Nunca devo ter trocado a água dos peixes, coitados. Tampouco lembro de ter colocado comida na água. Simplesmente ficavam ali, naquela água parada, nadando pra lá e pra cá, enquanto eu ficava vidrada do lado de fora da jarra, observando as pequenas escamas e o abrir e fechar de suas boquinhas fazendo um “O”. Dias depois, amanheciam deitados, boiando na superfície da água suja. Como é que eu poderia cuidar de cachorro se não sabia tratar do peixe?
Da outra vez foi o pinto. Trouxemos dois pra casa, um pra mim, outro pra minha irmã. Tão pequenos e frágeis, aquelas bolinhas de pena amarelinha, com piado baixo e agudo. Os pintinhos duraram mais que os peixes, se a memória não me falha. A mãe arranjou uma caixa de papelão, maior que uma caixa de sapato, e deixou lá na área de serviço, forrada de jornal. Deixamos os pintos lá. Alimentamos os pintos e passávamos um tempão ali, acariciando suas cabeças usando só o indicador, bem de leve. (Não podia fazer muito carinho senão o bicho sufocava, dizia a mãe). Até que eles foram crescendo e passaram a pular pra fora da caixa. Trocamos a caixa, eu acho. E logo depois morreram. Não lembro quanto duraram. Mais que os peixes, certamente.
Mas eu queria mesmo era o cachorro. Lá pelos 8 ou 9 anos, eu colecionei um álbum de figurinhas, Cães. Não lembro se cheguei a completá-lo, se não foi tudo, foi quase tudo. Eu sabia o nome de todas as raças. Tinha selecionado aqueles que eu mais gostava. Os filhotes eram os mais adoráveis, claro. Achava lindo o Husky Siberiano, com aqueles olhos azuis, a maior cara de gringo (eu tinha certa fascinação por tudo que fosse gringo, era tudo muito exótico pra mim, na época). Mas o meu preferido mesmo era o Cocker Spaniel, daqueles com pelo liso, caramelo e as orelhas grandonas, caídas no lado da cabeça. Nunca gostei de Poodle, tinha cara de cachorro metido a rico, sei lá. E buldogues eram muito feios, antipáticos pro meu gosto.
Eu cresci e a vontade de ter bicho sumiu. Ou adormeceu, sei lá. Acho que criança que tem mais isso de querer ter animal de estimação. Minha filha me pede sempre. Lá no fundo eu acho que também gostaria de ter um cachorro. Mas o lado racional da cabeça de adulto fala mais alto: bicho dá muito trabalho. Quem é que vai sair pra passear com ele? Nesse lugar frio e chuvoso? Ele vai entrar em casa todo molhado e vai emporcalhar a casa inteira. A casa vai ficar com cheiro ruim. Os móveis serão destruídos. Imagina só estragar o meu sofá novinho? De jeito nenhum! E quando a gente viajar? Onde deixa? E quando não tiver ninguém em casa durante o dia? Ele fica sozinho como? Os empecilhos são inumeráveis a meu ver. Não vale a pena.
Já perguntei pra amigos que têm cachorro como é. Alguns confirmam minha suspeita de que é trabalho demais. Outro disse que nunca vai ter outro depois que o dele morreu. Se apegou tanto ao cão que foi muito sofrida a sua partida. E muitos outros amam de paixão, como eu imaginava que seria.
Eu continuo achando lindo. Deve sim ser muito bacana ter cachorro em casa. Se ao menos eu me convencesse de que pra tudo tem jeito, de que as coisas devem acabar se ajeitando, e as soluções aparecem. Talvez eu me animasse. Criasse coragem. Mas sinto que ainda não é tempo. Talvez o tempo nunca chegue pra minha filha, como não chegou na minha infância, apesar da minha vontade. Por hora, os contras ainda pesam mais que as vantagens. Minha mãe tinha alguma razão pra me negar um animal de estimação, hoje eu entendo.
Porém, continuo com a dúvida. E tomo a liberdade para adaptar o poema de Vinícius:
Cães… Cães?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?