Quantcast
Channel: Colorida Vida » Famí­lia
Viewing all articles
Browse latest Browse all 16

Mãe de pré-adolescente

$
0
0

11-anos-L

Quando a gente se torna mãe, não imagina que o filho vai crescer. Os pensamentos são invadidos por fofurices, dobrinhas, gargalhadas espontâneas, o indicador embrulhado por dedinhos delicados. Primeiros passos, comidas novas, descobertas incríveis. Os primeiros anos de uma criança são magia pura, um turbilhão de acontecimentos, o desabrochar diário daquela criaturinha. A gente se emociona com a primeira palavra, o primeiro dente, a primeira festa de aniversário. Nesse tempo, a gente não pensa que as novidades vão continuar aparecendo depois dos cinco anos. A gente não consegue nem pensar no filho com mais de cinco anos, pra ser sincera.

Todas as revistas de mãe parecem focar somente nesses primeiros anos da vida das crianças. Pra mãe de primeira viagem, principalmente, toda dica é bemvinda. A estreia nesse mundo louco que é a maternidade vem junto com muitas dúvidas, incertezas. Toda mãe novata tenta se preparar de uma forma ou de outra pra chegada do filho. Lê tudo que vê pela frente que possa ajudá-la nessa nova tarefa de criar um ser humano. Conversa incessantemente com outras mães com filhos da mesma idade, com filhos maiores, pra saber o que vai acontecer depois. Observa atentamente todos os sinais, preocupa-se se o filho não se encaixa em tal ou tal padrão de desenvolvimento.

Aí vem outro filho, e a gente percebe que maternar (licença poética para neologismos, por favor) está longe de ser aquele bicho de sete cabeças que nos amedrontava anos antes. A gente já liga no piloto automático e vamos empurrando com a barriga, já mais serenas (ou desligadas mesmo, você escolhe) e já não faz diferença se o caçula não fala 150 palavras com dois anos, o resfriado é tratado em casa mesmo sem precisar visitar a emergência do hospital assim que o termômetro marca 37 graus.

Daí pra frente, esse estado de sonambulismo é permanente. Depois que o caçula faz quatro anos, a gente retoma o foco para si própria. A gente volta a ler os livros que lia antes, descarta a montoeira de revistas de mãe que se acumularam na estante da sala por conta de três anos de assinatura, cancela a conta nos fóruns de maternidade, não tem mais paciência praquele papo da prima da amiga que não sabe se amamenta ou se dá leite artificial. Tudo isso fica enterrado lá atrás, num passado que parece tão distante, e que a gente dá graças a Deus de ter sobrevivido. A família já tem sua rotina, a mãe já vestiu seu papel pra vida toda, a nova identidade já não é tão nova, é natural.

E os filhos continuam crescendo. E meio que a gente vai aprendendo a cuidar deles na prática. Uma amiga diz que filho é igual video game: a próxima fase é sempre mais difícil que a anterior. Nos momentos em que a gente sobe à tona pra recuperar o fôlego, desperta daquele transe profundo, olha pro lado e não encontra mais aquelas pernocas gorduchas, nem os cachinhos de mola. Mais de meia dúzia de dentes estão guardados numa caixinha da gaveta do banheiro, o último a filha tirou sozinha, durante o almoço. O show preferido na tevê é protagonizado por adolescentes envolvidos em aventuras misteriosas e sobrenaturais cuja trilha sonora lembra mais um filme de terror do que uma cantiga de roda. As bonecas não saem mais da caixa embaixo da cama. Os dedos nervosos digitam rapidamente na pequena tela do aparelho, mensagens, jogos. Na estante do quarto, uma coleção de dez livros com mais de 200 páginas cada um, que ela já leu duas vezes cada.

Ninguém se prepara pro filho crescer. Ninguém fala que um dia o filho não vai deixar abrir a porta do quarto dele. Que vai ter vergonha de se despir na frente da mãe. Que não vai mais usar a roupa que a gente escolheu na loja. O rosto enrubece se a gente pergunta quem é o menino mais bonitinho da sala. Segredinhos são trocados com amigas, território totalmente proibido pra mãe. Ironia e sarcasmo são compreendidos e fabricados. Eles já estão mais perto intelectualmente da gente do que antes, o mundo deles está se expandindo de encontro ao nosso. A gente já quase pode compartilhar os sapatos.

A tarefa de introduzí-los ao mundo requer mais responsabilidade, cuidado. Mas é uma tarefa já compartilhada com os próprios filhos, que conquistam sua independência aos poucos. A gente ainda fica cheio de dedos de como fazer, o quê fazer, quando fazer. E a verdade é que a resposta vem das crianças, já não tão crianças. São eles que nos ensinam. É um trabalho em equipe. As comparações inevitáveis aparecem, os choques de gerações acontecem, e eles vão tomando o seu lugar no mundo, como tem que ser. Porque o mundo deles já não é o nosso mundo quando a gente tinha a mesma idade. Nessa fase a gente ainda lembra como era o nosso mundo naquela idade.

A mãe segue nessa jornada especial, agora mais como passageira do que como condutora. Difícil encontrar o equilíbrio para permitir que o filho floresça na sua personalidade própria, largar a mão deles e deixá-los trilharem seus próprios caminhos. A gente fica ainda do lado, com os braços erguidos caso eles tropecem, olhando lá na frente pra ver se vai ter algum precipício na estrada para alertá-los com antecedência.

Essa pré-adolescência é uma fase especial. Pra mãe e pro filho. A gente ainda se lembra de como era confuso não ser mais criança e ainda não ser adulto. Os hormônios à flor da pele, as mudanças e transformações no corpo e na cabeça. É interessante estar do lado de cá dessa fase, que a gente sabe que vai passar. Tão rápido como os primeiros anos até. É um privilégio poder testemunhar o crescimento de um filho, emocionante. Piegas, tá bom. Conforta saber que apesar do progressivo distanciamento natural dessa fase da vida, paradoxalmente ele está mais próximo do lado de cá. Felizmente a influência dos pais ainda é presente na vida deles, e só resta a esperança de que os valores e princípios compartilhados durante o convívio em família permaneçam enraizados nas suas identidades pro resto da vida.

******

Laura, obrigada pela jornada incrível nesses onze anos! Você é uma menina supimpa! (Olha lá no dicionário pra saber o que é supimpa). ;)


Viewing all articles
Browse latest Browse all 16